segunda-feira, 20 de abril de 2020

SEGUNDA-FEIRA NA 2ª SEMANA DA PÁSCOA

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At 4, 23-31
Jo 3, 1-8





Nesta segunda semana de Páscoa, a liturgia nos apresenta o capítulo 3 do Evangelho de São João, um dos primeiros episódios da atividade pública de Jesus descritos pelo quarto evangelho. Uma perícope que, portanto, não fala diretamente do Cristo Ressuscitado. Qual o sentido, então, da liturgia apresentar este texto durante toda a semana logo após as Oitavas de Páscoa?
Este é um texto que não fala do Cristo Ressuscitado, mas do ser humano ressuscitado, da humanidade nova, da nova criatura, ou seja, da vivência do Mistério Pascal. Podemos dizer que este é um texto mistagógico. Em outras palavras, este é um texto que nos fala da moral dos batizados, da experiência da vida nova, alcançada pelo batismo. Em um primeiro momento fala aos neófitos, ou seja, os recém-batizados na última Vigília Pascal, que são agora chamados a viver o mistério no qual foram introduzidos, mas também a nós, já batizados há algum tempo e que a cada ano renovamos nossas promessas batismais na mesma noite santa.
Podemos dizer, então, que o capítulo 3 de João nos apresenta como viver o cristianismo, ou então, o que é preciso para viver o cristianismo. É preciso nascer de novo, nascer do alto, guiados pelo Espírito Santo, que sopra onde quer. Feito este painel litúrgico, mergulhemos então no texto evangélico.

Um diálogo inusitado
Diz a perícope que Nicodemos era um judeu importante, mais que isso, era um fariseu. Os fariseus eram um grupo dentro do judaísmo. Um grupo com o qual Jesus teve muitos problemas, relatados nos quatro evangelhos. Eles eram grupos fieis à lei, faziam questão de que as leis fossem cumpridas à risca e não admitiam certas práticas de Jesus, como as curas e trabalhos em dia de sábado, por exemplo. Por seguirem a lei ao pé da letra, eles se consideravam melhores que os outros. Eram muito bons em tecer julgamentos.
Jesus chegou a chamá-los de sepulcros caiados, de hipócritas, de raça de víboras. Em Lucas 12,1 Jesus adverte para tomar cuidado com o fermento dos fariseus, isto é, a hipocrisia. No entanto, Nicodemos é um fariseu que vai a Jesus com boa intenção, ou pelo menos não se dirige a Jesus cinicamente, para pô-lo à prova, como seus pares costumavam fazê-lo. Ao contrário, chama Jesus de Rabi, palavra hebraica para Mestre. Reconhece Jesus como alguém que fala e vem de Deus. Reconhece ainda a veracidade dos sinais que Jesus operava.
Contudo, Nicodemos procura Jesus à noite. Este dado não parece ser um mero detalhe, uma vez que quando o evangelista menciona no capítulo 19 o fato de Nicodemos levar perfumes para ungir o corpo de Jesus a ser sepultado, o autor especifica que Nicodemos era aquele que havia procurado Jesus à noite. De acordo com os biblistas, aquele fariseu de boas intenções não queria se comprometer. Não queria ser mal visto pela sociedade judaica. Não queria ser questionado, não queria perder, talvez, o status, a posição que havia conquistado. Nicodemos, apesar de reconhecer Jesus como um homem de Deus, parece ter um coração ainda dividido. Não havia feito uma opção por Jesus como o Senhor, como o único enviado de Deus, como o Deus conosco.
Esta imagem fala muito ao nosso coração quando preferimos não opinar, não desagradar, não queremos perder nada. Evidentemente com certas pessoas, com aquelas que não querem se abrir, não adianta discutir, argumentar, estão fechadas. Mas nossa posição precisa ser dita com coragem, com clareza. Nossa posição sobre a vida, sobre os valores, sobre o que é fundamental, sobre o bem e o mal.
Vimos na semana passada que Pedro e João, diante do Sinédrio, ainda sob ameaça de prisão, não deixaram de denunciar o crime praticado pelas autoridades e de anunciar que aquele que mataram ressuscitara dos mortos e era em nome dele que agiam e curavam.
Nicodemos mostra ter informações corretas sobre Jesus, sobre seu ministério, até sobre sua origem e natureza. Mas a mensagem evangélica de hoje nos coloca que não basta parar no conhecimento científico sobre Jesus, não basta estudar teologias profundas se esta não me levar a uma adesão integral à proposta de vida trazida por Ele. Conhecer Jesus é ir mais além do que ter informações. É preciso dar um novo passo. Talvez ousar!
Nós podemos ter conhecimento intelectual sobre a Bíblia, ter estudado o Catecismo, ter doutorado em Teologia, louvar com a boca, pregar, rezar, conhecer os dogmas.
Não basta! Os curiosos e estudiosos também o fazem. Nicodemos parecia se aproximar de Jesus com certa curiosidade. O evangelista não cita a pergunta ou as perguntas que aquele fariseu teria feito a Jesus. Talvez não tenha feito nenhuma, pois Jesus conhece o homem por dentro (Jo 2,22).
Que passo dar então para conhecer Jesus? Qual a exigência para ser discípulo de Jesus, para segui-lo?

Nascer do alto
 “Quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus”, diz Jesus. Jesus não é conhecido apenas pelos livros. Para conhecer Jesus é preciso fazer uma experiência, como a de Tomé, que pode ver e tocar as marcas da Paixão, as marcas do amor redentor. É preciso fazer, em outras palavras, uma experiência pascal.
Este é o que chamamos na Igreja de mistagogia. É a proposta feita todo ano aos neófitos, àqueles que foram iniciados na fé cristã na noite pascal. Experienciar o mistério, viver o mistério ao qual foram introduzidos.
É preciso, então, revisitar nossas convicções, nossas crenças, e confrontá-las com a Palavra de Deus. Nicodemos não entendeu a palavra de Jesus, ou não quis entendê-la. Seu coração estava fechado nas leis, nas tradições, nas convicções que ele tinha. Não estava apegado ao essencial, mas ao exterior, a coisas secundárias. Por isso ele não avança no diálogo, não muda de nível, não avança para o nível do alto, continua pensando na limitação do pensamento humano. Tomou a palavra de Jesus ao pé da letra. “Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer”?
Jesus, sempre com paciência, vai explicar, ainda que na sequência do texto veremos que Nicodemos tem dificuldade de entender. Para compreender e seguir Jesus é preciso pensar como Deus, pensar as coisas de Deus, isto é, nascer da água e do Espírito Santo. Abrir-se ao Espírito Santo. Aqui temos uma referência clara ao Batismo. O sacramento nos insere nesta realidade de morrer para a vida antiga, os costumes antigos, o jeito de pensar antigo.
Mas como nós, já batizados há anos, há décadas, ou, por que nós batizados, que portamos já o Espírito Santo, ainda ficamos presos na vida velha? O convite do evangelista é para revisitar o nosso batismo. Há um canto de Quaresma que diz: “reacendei em nós a chama batismal”. Isto é, colocar-se livremente nas mãos de Deus. Deixar-se guiar pelo sopro livre do Espírito Santo, que como Jesus diz, sopra onde quer. O vento na Bíblia, o sopro, são imagens do Espírito de Deus.
Ninguém consegue parar o vento. Não se aprisiona o vento. Não se aprisiona Deus, que age conforme a necessidade, conforme a mudança de época, que sabe tirar o que precisamos de um tesouro com coisas novas e velhas.
O cristão é aquele que consegue acompanhar os rumos para onde o vento do Espírito está soprando. E a Bíblia diz que o sopro do Espírito é uma brisa leve, suave. Deus não está na agitação, no terremoto. Deus está na brisa suave, que é capaz de movimentar sem destruir. É como nesta quarentena, quando a gente sai para uma caminhada ou no quintal, ou na varanda para tomar um ar fresco, que renova nosso respirar.

Um novo Pentecostes
O papa São João 23, em 1959, intuiu que a Igreja precisava abrir suas janelas e portas para esta brisa suave do Espírito Santo, para o que ele chamou de aggiornamento, palavra italiana para atualização, update, no inglês. A igreja precisava se renovar. Ela já não estava respondendo com a dinamicidade do Espírito, às necessidades do mundo moderno. Na convocação do Concílio, Angelo Roncalli constata que o mundo vivia a mentalidade de Nicodemos, caracterizado por grande progresso material ao qual não corresponde o progresso moral.
 Ele convoca o Concílio Vaticano II, tido por muitos na época e ainda hoje, como um escândalo. Como a Igreja, que por muito tempo determinou como seriam as ações do mundo ocidental e por muito tempo foi dona de poderes absolutos e agiu com severidade, passaria agora a dialogar com o mundo, a propor, a apresentar ao mundo o projeto de Jesus? “Agora, pois, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade” (Discurso do papa João 23 na inauguração do Concílio).
É o que experimentamos nesse tempo de pandemia. O mundo estava centrado no material, na conquista, nas riquezas, na técnica. Nas coisas de baixo. O mundo precisava nascer do alto. Talvez estejamos em um tempo em que precisamos redescobrir o que seja nascer do alto. Como nascer do alto.
Aceitar as mudanças trazidas pelo Espírito não é apagar o passado, jogar o passado, a história no lixo, mas é revisitar a história, o passado, e dele aprender como melhorar, como evoluir, o que precisamos nos moldar à Palavra de Deus. Não é buscar a novidade por estar cansado do velho. É ser uma pessoa nova.
Em Berlin há vários monumentos e museus sobre o nazismo, o Muro de Berlim. Não são monumentos para honrar Hitler ou aquele sistema em vigor por várias décadas. Estão lá para lembrar que aquele foi um período da história, não para ser esquecido, mas para ensinar, para que nunca mais volte a acontecer.
A primeira leitura mostra como era a oração da comunidade cristã em suas origens. Uma comunidade que pedia o Espírito Santo para encorajar os apóstolos a testemunharem o Ressuscitado. O Espírito Santo é um dom do Pai e do Ressuscitado. Portanto deve ser pedido. Deve ser clamado. A comunidade não rezou para ser livre dos problemas, mas para que, com a força do Espírito, encontrasse a Paz do Ressuscitado, a coragem necessária para enfrentar as adversidades e anunciar o Evangelho. E teve seu pedido atendido com o que pode ser chamado de um “novo Pentecostes”.

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