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At
2,14.22-33
Caravaggio. A ceia em Emaús, 1601. |
1Pd 1,17-21
Lc 24,13-35
No Terceiro
Domingo da Páscoa a liturgia apresenta pela última vez neste tempo Pascal uma
aparição do Ressuscitado. A partir do próximo domingo, bem como durante a
semana, ouviremos o evangelho de São João, apresentando uma profunda teologia para mostrar como a comunidade deve viver a partir da Ressurreição de Jesus.
Ou seja, como o Ressuscitado continua a agir na vida dos cristãos e como esses
darão testemunho de seu Senhor.
A liturgia
deste domingo apresenta o Mistério Pascal como cumprimento das Sagradas
Escrituras. Vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus têm sentido à luz da
Palavra de Deus.
Temos
diante de nossos olhos o tão conhecido relato dos Discípulos de Emaús. Apesar
de tão popular, sua narrativa é exclusiva de Lucas. Ele não é descrito por
nenhum outro evangelista. É apenas mencionado no epílogo de são Marcos, que é
um compêndio das aparições narradas pelos outros evangelistas.
O texto
menciona que Emaús era um povoado localizado a 60 estádios de Jerusalém, ou
seja, de 11 a 12 km da cidade. Os estudiosos afirmam que não se conhece esta
localidade nessa distância. Conhece-se um lugarejo chamado Emaús-Nicópolis,
porém distante de Jerusalém 160 estádios, aproximadamente 30 km – distância pouco
provável de ser percorrida a pé em um dia. Pesquisas ainda continuam ocorrendo
e arqueólogos teriam encontrado em 2019 um muro naquela distância, porém nada
confirmado tratar-se de ruínas de Emaús.
Essas
informações imprecisas nos indicam que Lucas não quis, portanto, fazer um
relato histórico, uma reportagem jornalística sobre aquela aparição. O texto é
muito mais uma catequese que Lucas oferece à sua comunidade, com orientações seguras
de como encontrar-se com o Ressuscitado em situações adversas e para verificar
a solidez dos ensinamentos recebidos até então. Lucas mostra que mesmo nos
ambientes mais desafiadores, ali se faz presente o Ressuscitado com sua força
transformadora.
Quando a esperança vai embora
Esse era o
ambiente em que vivia a comunidade lucana. A obra é escrita por volta de 85
d.C. a uma comunidade miscigenada, com pessoas oriundas da Grécia, da Ásia
Menor, com diferentes tendências - grupos de judeus, como os fariseus, e até seguidores
de João Batista. Soma-se a isso tudo as perseguições do Império Romano. Lucas
quer, portanto, assegurar à comunidade que, mesmo em meio a todas aquelas
dificuldades, em situações de tamanho desânimo, Cristo Ressuscitado está
presente.
Mas como
descobrir, então, que Jesus está presente mesmo quando tudo parece dizer o
contrário? Como descobrir que Jesus está vivo? É neste ambiente, para responder
a esses anseios profundos de sua comunidade, que Lucas escreve seu Evangelho.
Dois
discípulos estão voltando de Jerusalém a Emaús no primeiro dia da semana, o dia
da Ressurreição. Um deles é Cléofas. O outro não tem o nome citado. Há várias
tentativas de descobrir sua identidade. Há exegetas que sugerem ser uma mulher,
talvez Maria de Cléofas, aquela que estava ao pé da cruz. Não sabemos. Outros
dizem que o autor deixa a identidade em aberto justamente para que a comunidade
se enxergue naquele caminho. o discípulo anônimo é uma metáfora da comunidade cristã.
Eles
caminham tristes e desanimados. Esperavam o Messias triunfalista, que viria
para suceder Davi no trono real, para restabelecer a paz em Israel e
reconstruir o templo. Jesus não era esse tipo de messias. Os sonhos que tinham
quando passaram a seguir Jesus tinha ido por água abaixo. Aquele em quem
confiaram, em quem puseram suas esperanças, estava morto. Há três dias. Morto
há três dias significava que a morte era real, um fato consumado.
Eles deixam
Jerusalém. Deixam a missão, deixam a comunidade, deixam o projeto de Jesus.
Abandonam aquele ideal. Voltam para sua terra. Voltam para a vida velha. De
onde saíram antes de conhecer Jesus.
Assim também
tem sido a vida de muitos. Ainda mais durante esta pandemia de Coronavírus.
Quantos sonhos encerrados... planos de carreira, estudos, viagens, negócios,
dinheiro que falta. São muitos os que tiveram que voltar a seus países,
deixando pelo caminho os sonhos de fazer a vida no exterior. Há ainda os que
nesses tempos tocaram diretamente a dor da perda, a morte de entes queridos,
muitos deles sem poder velar os corpos devido à pandemia.
É exatamente
neste contexto que Jesus se aproxima e caminha com os discípulos. Caminha
conosco. Jesus se insere na vida e se interessa pela história, pelas dores de
cada um. Jesus Ressuscitado assume a história de cada um e aparece, graças à
condição gloriosa de seu corpo, das mais variadas formas: como jardineiro, como
pedinte ou como viajante.
Nossa história à luz da lógica de Deus
Com
delicadeza Ele ensina os discípulos a relerem a própria história à luz das
Escrituras. Jesus não os condena, mas os adverte por não crerem e por demorarem
a entender os fatos, os sinais. E os ajuda a fazerem aquele caminho. À luz da
Palavra de Deus aquilo que é sinal de morte e desilusão é agora sinal de
esperança.
Olhando
para a Escritura, Jesus mostra a eles que tipo de projeto é o de Deus. A lógica
de Deus é diferente da lógica do mundo. Por isso não a compreendemos. Nossos
olhos continuam fixos no mundo. A lógica do mundo é a riqueza, o sucesso, o
poder, os cálculos, as economias, o dinheiro... a lógica de Deus é o desapego,
a solidariedade, a vida, o amor. Aos olhos do mundo a lógica de Deus é um
fracasso. Quem age com Deus é um fraco, diz o mundo. Mas para Deus, são sinais de
fortaleza, garantia de vida. E a vida oferecida como dom não se perde, mas gera
vida plena.
Ao chegarem
a Emaús, convidam Jesus a entrar, mesmo sem tê-lo reconhecido. Ali Jesus
senta-se à mesa, toma o pão, abençoa-o, parte-o e o distribui a eles. Cinco
verbos que revelam a Eucaristia celebrada desde as primeiras comunidades.
Verbos eucarísticos. É na fração do pão que reconhecem Jesus diante deles. É na
Eucaristia que a comunidade encontra o Ressuscitado.
As questões
da comunidade lucana são também as nossas. Por que Jesus não surge para restaurar
tudo? Por que Ele não aparece e acaba com esse vírus? Com o câncer? Com a corrupção
e com as crises? Lucas responde: Essa não é a lógica de Deus. Não será em ações
grandiosas que o encontraremos. Não será em grandes milagres, mas no simples
gesto de partir o pão em comunidade.
Ele caminha
conosco, no nosso ritmo, mas não o reconhecemos porque ainda não nascemos do
alto, como Nicodemos. Ainda estamos fechados em nossos esquemas. É preciso
percorrer o itinerário de Deus.
Eucaristia, presença do Ressuscitado
A liturgia
da Igreja nos proporciona esse itinerário em cada celebração da Eucaristia.
Peregrinar à igreja com nossa história e nossos anseios, ouvir a Palavra de
Deus, dar graças, partir o pão e partir em missão. Eles voltam a Jerusalém.
Voltam para testemunhar o encontro com o Ressuscitado. É preciso eucaristizar a
realidade, o mundo.
Jesus
desaparece da frente deles. Já não era mais necessária sua presença física. Os
discípulos não tinham mais dúvidas de que era o Senhor e que Ele havia, de
fato, ressuscitado.
A
Eucaristia é o hoje da ressurreição de Cristo a favor do ser humano. A
Eucaristia é o hoje de Cristo que nos ressuscita em nosso hoje, em nossa
história, na história do mundo. E ao mesmo tempo o ser humano se une ao
Ressuscitado pela Eucaristia. É um intercâmbio de dons.
Eucaristia
é a ressurreição de Cristo em expansão, é vida para o mundo, antídoto contra a
morte, geradora de vida. A Eucaristia é lugar de ressurreição, porque é lugar
da presença do Ressuscitado.
Clique abaixo e ouça a linda música de padre João Carlos:
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