domingo, 26 de abril de 2020

Os discípulos de Emaús - 3º Domingo da Páscoa – ano A


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At 2,14.22-33    
Caravaggio. A ceia em Emaús, 1601.

1Pd 1,17-21
Lc 24,13-35

No Terceiro Domingo da Páscoa a liturgia apresenta pela última vez neste tempo Pascal uma aparição do Ressuscitado. A partir do próximo domingo, bem como durante a semana, ouviremos o evangelho de São João, apresentando uma profunda teologia para mostrar como a comunidade deve viver a partir da Ressurreição de Jesus. Ou seja, como o Ressuscitado continua a agir na vida dos cristãos e como esses darão testemunho de seu Senhor.
A liturgia deste domingo apresenta o Mistério Pascal como cumprimento das Sagradas Escrituras. Vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus têm sentido à luz da Palavra de Deus.
Temos diante de nossos olhos o tão conhecido relato dos Discípulos de Emaús. Apesar de tão popular, sua narrativa é exclusiva de Lucas. Ele não é descrito por nenhum outro evangelista. É apenas mencionado no epílogo de são Marcos, que é um compêndio das aparições narradas pelos outros evangelistas.
O texto menciona que Emaús era um povoado localizado a 60 estádios de Jerusalém, ou seja, de 11 a 12 km da cidade. Os estudiosos afirmam que não se conhece esta localidade nessa distância. Conhece-se um lugarejo chamado Emaús-Nicópolis, porém distante de Jerusalém 160 estádios, aproximadamente 30 km – distância pouco provável de ser percorrida a pé em um dia. Pesquisas ainda continuam ocorrendo e arqueólogos teriam encontrado em 2019 um muro naquela distância, porém nada confirmado tratar-se de ruínas de Emaús.
Essas informações imprecisas nos indicam que Lucas não quis, portanto, fazer um relato histórico, uma reportagem jornalística sobre aquela aparição. O texto é muito mais uma catequese que Lucas oferece à sua comunidade, com orientações seguras de como encontrar-se com o Ressuscitado em situações adversas e para verificar a solidez dos ensinamentos recebidos até então. Lucas mostra que mesmo nos ambientes mais desafiadores, ali se faz presente o Ressuscitado com sua força transformadora.

Quando a esperança vai embora
Esse era o ambiente em que vivia a comunidade lucana. A obra é escrita por volta de 85 d.C. a uma comunidade miscigenada, com pessoas oriundas da Grécia, da Ásia Menor, com diferentes tendências - grupos de judeus, como os fariseus, e até seguidores de João Batista. Soma-se a isso tudo as perseguições do Império Romano. Lucas quer, portanto, assegurar à comunidade que, mesmo em meio a todas aquelas dificuldades, em situações de tamanho desânimo, Cristo Ressuscitado está presente.
Mas como descobrir, então, que Jesus está presente mesmo quando tudo parece dizer o contrário? Como descobrir que Jesus está vivo? É neste ambiente, para responder a esses anseios profundos de sua comunidade, que Lucas escreve seu Evangelho.
Dois discípulos estão voltando de Jerusalém a Emaús no primeiro dia da semana, o dia da Ressurreição. Um deles é Cléofas. O outro não tem o nome citado. Há várias tentativas de descobrir sua identidade. Há exegetas que sugerem ser uma mulher, talvez Maria de Cléofas, aquela que estava ao pé da cruz. Não sabemos. Outros dizem que o autor deixa a identidade em aberto justamente para que a comunidade se enxergue naquele caminho. o discípulo anônimo é uma metáfora da comunidade cristã.
Eles caminham tristes e desanimados. Esperavam o Messias triunfalista, que viria para suceder Davi no trono real, para restabelecer a paz em Israel e reconstruir o templo. Jesus não era esse tipo de messias. Os sonhos que tinham quando passaram a seguir Jesus tinha ido por água abaixo. Aquele em quem confiaram, em quem puseram suas esperanças, estava morto. Há três dias. Morto há três dias significava que a morte era real, um fato consumado.
Eles deixam Jerusalém. Deixam a missão, deixam a comunidade, deixam o projeto de Jesus. Abandonam aquele ideal. Voltam para sua terra. Voltam para a vida velha. De onde saíram antes de conhecer Jesus.

Assim também tem sido a vida de muitos. Ainda mais durante esta pandemia de Coronavírus. Quantos sonhos encerrados... planos de carreira, estudos, viagens, negócios, dinheiro que falta. São muitos os que tiveram que voltar a seus países, deixando pelo caminho os sonhos de fazer a vida no exterior. Há ainda os que nesses tempos tocaram diretamente a dor da perda, a morte de entes queridos, muitos deles sem poder velar os corpos devido à pandemia.
É exatamente neste contexto que Jesus se aproxima e caminha com os discípulos. Caminha conosco. Jesus se insere na vida e se interessa pela história, pelas dores de cada um. Jesus Ressuscitado assume a história de cada um e aparece, graças à condição gloriosa de seu corpo, das mais variadas formas: como jardineiro, como pedinte ou como viajante.


Nossa história à luz da lógica de Deus
Com delicadeza Ele ensina os discípulos a relerem a própria história à luz das Escrituras. Jesus não os condena, mas os adverte por não crerem e por demorarem a entender os fatos, os sinais. E os ajuda a fazerem aquele caminho. À luz da Palavra de Deus aquilo que é sinal de morte e desilusão é agora sinal de esperança.
Olhando para a Escritura, Jesus mostra a eles que tipo de projeto é o de Deus. A lógica de Deus é diferente da lógica do mundo. Por isso não a compreendemos. Nossos olhos continuam fixos no mundo. A lógica do mundo é a riqueza, o sucesso, o poder, os cálculos, as economias, o dinheiro... a lógica de Deus é o desapego, a solidariedade, a vida, o amor. Aos olhos do mundo a lógica de Deus é um fracasso. Quem age com Deus é um fraco, diz o mundo. Mas para Deus, são sinais de fortaleza, garantia de vida. E a vida oferecida como dom não se perde, mas gera vida plena.
Ao chegarem a Emaús, convidam Jesus a entrar, mesmo sem tê-lo reconhecido. Ali Jesus senta-se à mesa, toma o pão, abençoa-o, parte-o e o distribui a eles. Cinco verbos que revelam a Eucaristia celebrada desde as primeiras comunidades. Verbos eucarísticos. É na fração do pão que reconhecem Jesus diante deles. É na Eucaristia que a comunidade encontra o Ressuscitado.
As questões da comunidade lucana são também as nossas. Por que Jesus não surge para restaurar tudo? Por que Ele não aparece e acaba com esse vírus? Com o câncer? Com a corrupção e com as crises? Lucas responde: Essa não é a lógica de Deus. Não será em ações grandiosas que o encontraremos. Não será em grandes milagres, mas no simples gesto de partir o pão em comunidade.
Ele caminha conosco, no nosso ritmo, mas não o reconhecemos porque ainda não nascemos do alto, como Nicodemos. Ainda estamos fechados em nossos esquemas. É preciso percorrer o itinerário de Deus.

Eucaristia, presença do Ressuscitado
A liturgia da Igreja nos proporciona esse itinerário em cada celebração da Eucaristia. Peregrinar à igreja com nossa história e nossos anseios, ouvir a Palavra de Deus, dar graças, partir o pão e partir em missão. Eles voltam a Jerusalém. Voltam para testemunhar o encontro com o Ressuscitado. É preciso eucaristizar a realidade, o mundo.
Jesus desaparece da frente deles. Já não era mais necessária sua presença física. Os discípulos não tinham mais dúvidas de que era o Senhor e que Ele havia, de fato, ressuscitado.
A Eucaristia é o hoje da ressurreição de Cristo a favor do ser humano. A Eucaristia é o hoje de Cristo que nos ressuscita em nosso hoje, em nossa história, na história do mundo. E ao mesmo tempo o ser humano se une ao Ressuscitado pela Eucaristia. É um intercâmbio de dons.
Eucaristia é a ressurreição de Cristo em expansão, é vida para o mundo, antídoto contra a morte, geradora de vida. A Eucaristia é lugar de ressurreição, porque é lugar da presença do Ressuscitado.


Clique abaixo e ouça a linda música de padre João Carlos:


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