sexta-feira, 17 de abril de 2020

17/04/20 - A APARIÇÃO DO RESSUSCITADO AOS DISCÍPULOS NA PESCARIA - REFLEXÃO LITÚRGICA DA SEXTA-FEIRA NAS OITAVAS DE PÁSCOA


Para consultar em sua Bíblia:

* At 4, 1-12
Jo 21, 1-14
Afresco na Catedral de Spoleto (segundo milagre)
  

Continuando a dinâmica das Oitavas de Páscoa, em que a liturgia apresenta as aparições do Ressuscitado, encontramos hoje o capítulo 21 de São João, que de acordo com exegetas é um apêndice, isto é, um texto que não pertencia ao original devido a diferenças linguísticas, de estilo e mesmo teológicas, mas que apresenta alguma semelhança literária. É um texto que, portanto, pode pertencer a um discípulo de João, acrescentado posteriormente ao restante da obra.
Percebe-se que se trata de um acréscimo também pois o evangelho de João já apresenta uma primeira conclusão em 20, 30-31. “Jesus fez, ainda, diante de seus discípulos, muitos outros sinais, que não se acham escritos neste livro. Esses, porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”.
A perícope de hoje é uma rica catequese, com muitos símbolos, sobre a missão da comunidade cristã, da Igreja, portanto.
O autor apresenta sete discípulos que saem a pescar à noite, no Lago de Tiberíades, conhecido também como Mar da Galileia. Os discípulos, após a morte do Senhor, apesar de o evangelista informar que já haviam se encontrado com o Ressuscitado em outras duas ocasiões, voltam à sua atividade original, a pescaria. Tudo havia acabado. Voltam à sua vida cotidiana, talvez sem muitas expectativas.
Mas é justamente na simplicidade do cotidiano que o Ressuscitado se apresenta. Diz o texto que ali haviam sete discípulos. O número sete já é um grande sinal na numerologia bíblica, especialmente nos escritos joaninos. Sete é o número da perfeição, da totalidade. Deus cria o mundo em sete dias, por exemplo. Os dons do Espírito Santo são sete. No caso do nosso texto de hoje, sete discípulos, representam a Igreja inteira, a comunidade cristã toda, reunida, que sai para pescar.
A pesca, além da atividade profissional dos discípulos, foi uma das imagens usadas por Jesus quando os chamou a segui-lo. “De hoje em diante farei de vós pescadores de homens” (Mt 4,19). Em outra ocasião, diante do insucesso dos apóstolos numa pescaria, havia ordenado para avançarem “a águas mais profundas” (Lc 5,4).
Na noite relatada na perícope de hoje, a pescaria não foi boa. Uma noite das mais escuras, como muitas em que atravessamos. O mundo, neste tempo de pandemia, vive uma noite escura, não consegue ver um farol para voltar à costa. Também não consegue pescar. O barco parece estar à deriva. Assim como os discípulos, vivemos momentos de incertezas, de informações diversas e desencontradas.
No entanto, com o amanhecer vem Jesus, apresenta-se como um pedinte. “Jovens, acaso tendes algum peixe”? À resposta negativa do grupo, Ele orienta a mudar a estratégia, a jogar as redes à direita do barco. Jesus aponta uma nova direção, um novo jeito de pescar, uma nova atitude. Quando a pesca parece estar encerrada sem sucesso, ele dá uma nova oportunidade, uma nova chance de recomeçar. Ele traz luz, mostra o caminho. “Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo” (Jo 9,5).
Ainda que os discípulos não tivessem se dado conta de que era Jesus, eles seguem sua voz e a pesca tem resultado. Quando se ouve a voz de Jesus, a pesca é abundante. É aí que eles reconhecem Jesus. A partir da abundância da graça concedida. Jesus sempre garante alimento e bebida em abundância. Foi assim com o vinho em Caná. Foi assim com os pães e peixes multiplicados, cujas sobras encheram 12 cestos. Ele traz vida em abundância. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
O discípulo amado, aquele que tinha repousado sua cabeça no peito de Jesus, reconhece e diz aos companheiros: “É o Senhor”. Senhor é o título messiânico, título dado a Deus. Maria Madalena, a primeira testemunha, que também muito amou e foi amada pelo Mestre, usou a mesma expressão quando contou aos discípulos sobre o encontro que havia tido com o Ressuscitado na manhã pascal: “Vi o Senhor”. É a mesma profissão de fé que faz Tomé ao tocar as chagas no corpo ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus”. É a mesma profissão de fé que faz a Igreja em cada Eucaristia: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição”.
Chamar Jesus de Senhor, portanto, é atitude de quem fez a experiência com o Ressuscitado. De quem tem a vida transformada pela luz trazida por Cristo.
Quando o grupo percebe ser Jesus, corre ao encontro do Mestre e têm de arrastar as redes, de tão cheias de peixes estavam. Jesus os espera para a refeição. Espera-os para a refeição pascal que Ele mesmo havia preparado. Pão e peixe sobre a brasa. Jesus pergunta novamente se têm alguma coisa. Agora eles têm. Diz o texto que têm 153 peixes grandes. E a rede não se rompe. O coração dos discípulos, portanto, da comunidade, está indiviso, é fiel ao Senhor. Quando a comunidade é fiel à Palavra do Senhor, a rede não se rompe e os peixes vêm. Quando, porém, a comunidade se corrompe, se divide, escandaliza, os peixes se perdem. Podemos ver aqui na Irlanda, os estragos causados pelos escândalos dos membros da Igreja anos atrás. A rede foi rompida, os peixes escaparam. A Igreja na Irlanda tenta consertar as redes e voltar a pescar ouvindo a voz do Senhor.
Há várias tentativas de explicar o porquê de 153 peixes. Santo Agostinho e São Gregório Magno falam em números triangulares de base 17. 10 + 7. 10 e 7 são números perfeitos na Bíblia. Indicam totalidade. São Jerônimo, por sua vez, diz que 153 era o número de espécies de peixes conhecidas na época. Tanto uma quanto outra teoria chegam ao mesmo ponto: a totalidade.  A Igreja existe para evangelizar a todos. A salvação trazida por Jesus é para todos. Todos têm direito de ouvir a Boa Notícia. Todos têm direito à esperança pascal trazida pelo Ressuscitado.


A refeição preparada pelo Ressuscitado às margens do lago, da qual participa a Igreja toda, representada pelos sete discípulos, é um claro sinal da Eucaristia, o lugar por excelência do encontro com o Ressuscitado. Quando a comunidade cristã ouve o convite do Ressuscitado “vinde comer” e se reúne para celebrar a Eucaristia, a grande refeição pascal, unida no amor, com corações indivisos, trazendo a ela novos membros, aí o Ressuscitado se faz verdadeiramente presente. Pela sua Palavra, encoraja os discípulos a pescar sempre. 

O versículo 14 diz que esta foi a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos após a Ressurreição. O número três é na Bíblia número da perfeição. Penso que podemos entender que assim nos encontramos eficazmente com o Ressuscitado: ouvindo sua Palavra, alimentando-nos em sua mesa e partindo em missão.
Vivemos um tempo particular devido à pandemia do novo Cornavírus, em que estamos impedidos de nos reunir ao redor da mesa da Eucaristia. É tempo, então, de redescobrir outros lugares do encontro com o Ressuscitado, como a meditação da Palavra de Deus no recolhimento de casa, a oração em família, o sentar-se ao redor da mesa com a família para partilhar o alimento e a vida, a conversa. É tempo de reaprender a conviver, a dialogar, a ter paciência com o outro. É tempo de se fazer próximo, mesmo estando distante. Um telefonema, uma chamada de vídeo, e a esperança do Ressuscitado atingirá a outros. Atitudes eucarísticas... atitudes pascais!

2 comentários:

  1. Que belo texto Rafael! Que Deus te conceda muita Luz e sabedoria. Grande abraço.

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    1. Obrigado pelas palavras! Por favor, deixe seu nome.
      Obrigado!

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