segunda-feira, 27 de abril de 2020

2ª feira na Terceira Semana da Páscoa - Ver os sinais


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At 6, 8-15
Jo 6, 22-29

Desde sexta-feira a Igreja vem apresentando na sua liturgia diária o capítulo 6 de São João, cujo tema é o Pão, começando com o sinal da multiplicação dos pães, terminando com o instigante e famoso discurso em que Jesus se auto define como o Pão da vida, aquele que sacia para sempre, que garante a vida eterna.
São João não narra a instituição da Eucaristia na última ceia, com as palavras da instituição, como fazem os sinóticos. Em sua narrativa da ceia, João apresenta outros aspectos em longos quatro capítulos (entre os capítulos 13 e 17), como o lava-pés, o mandamento novo do amor, o discurso sobre a videira, a promessa do Espírito Santo e, por fim, a oração sacerdotal, em que pede ao Pai o dom da unidade. Ou seja, João apresenta em sua ceia desdobramentos da Eucaristia, consequências de uma vida eucarística.
João antecipa, porém, para o capítulo 6, o sinal do Pão, uma catequese profunda sobre a teologia da Eucaristia. Jesus se faz Pão doado à humanidade por amor, um sinal de sua morte na cruz e de sua ressurreição. Como vimos, o evangelista começa com a narrativa da multiplicação dos cinco pães e dois peixes, na qual Jesus sacia a fome da multidão.
Se na semana passada a liturgia nos apresentava as consequências do novo nascimento pelo Batismo, nesta terceira semana da Páscoa nos coloca diante dos olhos o outro sacramento base para o cristão, a Eucaristia. Batismo e Eucaristia são os dois principais sacramentos da Igreja, sacramentos pascais. Não nos esqueçamos, o Tempo Pascal é o tempo da mistagogia, quando os neófitos são convidados a mergulhar e viver o mistério que celebraram na última noite Pascal. Para nós já iniciados, cabe renovar a cada dia nossos compromissos cristãos e alimentá-los com esse Pão vivo descido dos céus.

O sinal do Pão... um olhar mais profundo
Para João, o gesto de Jesus é um sinal. Essa é uma característica de seu evangelho. Ele não fala em milagres, mas em sinais. O evangelista quer mostrar que é preciso olhar além do milagre em si, é preciso compreender seu aspecto mais amplo, sua mensagem, o que ele diz por trás do gesto de Jesus, que ensinamento nos traz hoje.
É justamente esse o motivo pelo qual Jesus repreende a multidão: “vocês não me procuram porque viram sinais, mas porque comeram os pães e ficaram saciados”. Eis a chave para ler todo este capítulo: enxergar os sinais que Jesus realiza. Jesus adverte que a multidão estava interessada coisas passageiras, em coisas materiais, voltada a si mesma.
Jesus identifica que aquela busca que faziam dele não era motivada pela fé, mas pela conveniência, pelos próprios interesses, como uma resposta aos próprios anseios. A pergunta que fica é: se Jesus não tivesse dado pães e matado a fome do povo, aquela multidão o teria procurado ainda assim? Com Jesus, ou se está ou não se está. Em Jesus, ou se crê ou não se crê.
Na semana passada já vimos a atitude de Nicodemos, que fora incapaz de se desapegar de sua vida velha e seguir Jesus com fé e radicalidade. Na verdade, estamos interessados em descobrir qual o mínimo a ser feito para ter as bênçãos, as curas, os milagres, os favores divinos. Procuramos a missa mais curta, o padre que fale menos, o jeito mais fácil de cumprir o preceito. Porque nossa mentalidade ainda está no que se tem que fazer, na norma, no que vou lucrar. Não se entra no espírito da norma ou do preceito.
Também vale refletir o que realmente buscamos quando procuramos o padre ou pregador que “opera milagres” à vista de todos. Ou o encontro onde a cura tem hora marcada para acontecer, ou que nos faça chorar, emocionar. As assembleias mais cheias serão sempre aquelas onde se promete bens imediatos. Faz-se da fé uma superstição. É tentar Deus, tentar aprisioná-lo.
Isso não quer dizer que Jesus não se interesse pelos problemas e preocupações das pessoas. Ele mesmo percebeu a fome da multidão e lhe deu de comer. Ele mesmo disse em outra passagem: “vinde a mim vós todos que estais cansados e fatigados por carregar pesados fardos e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e eu vos darei descanso”.
Mas Ele não dá um alimento passageiro. Ele nos alimenta com o Pão do Céu, o alimento que dura para a vida eterna, isto é, a fé. Assim, Jesus nos convida a entrar na lógica de Deus, a lógica do amor. Esta foi a dificuldade também dos discípulos de Emaús.
Durante a pandemia, corremos o risco de querer soluções rápidas, imediatas, queremos a vida de volta ao “normal”. Facilmente nos entediamos e talvez até nos revoltamos contra Deus, contra as pessoas. É a necessidade da negação, de encontrarmos culpados. De novo Jesus nos lembra que é preciso entrar na lógica de Deus, na lógica do amor.

O pão que não passa: crer no Filho do Homem
A pandemia tem nos mostrado como o mundo é frágil, efêmero. Talvez nosso grande desespero seja constatar que pusemos nossa confiança, nossos esforços, naquilo que passa, no dinheiro, na carreira, nas pessoas, ou seja, naquilo que alimenta o corpo, mas não a alma.
Outra dificuldade é perceber que aquele jeito de ser antigo, o homem velho, o mundo velho, não voltará tão rápido. É uma sensação de vazio. Jesus nos oferece então, de novo, uma resposta, uma saída, mas uma que não passa: crer no Filho do Homem. Crer em Jesus significa ser amado por Ele, descobrir-se amado, amá-lo e segui-lo.

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