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At 6, 8-15
Jo 6, 22-29
Desde
sexta-feira a Igreja vem apresentando na sua liturgia diária o capítulo 6 de São
João, cujo tema é o Pão, começando com o sinal da multiplicação dos pães,
terminando com o instigante e famoso discurso em que Jesus se auto define como
o Pão da vida, aquele que sacia para sempre, que garante a vida eterna.
São João não
narra a instituição da Eucaristia na última ceia, com as palavras da instituição,
como fazem os sinóticos. Em sua narrativa da ceia, João apresenta outros
aspectos em longos quatro capítulos (entre os capítulos 13 e 17), como o
lava-pés, o mandamento novo do amor, o discurso sobre a videira, a promessa do
Espírito Santo e, por fim, a oração sacerdotal, em que pede ao Pai o dom da
unidade. Ou seja, João apresenta em sua ceia desdobramentos da Eucaristia,
consequências de uma vida eucarística.
João
antecipa, porém, para o capítulo 6, o sinal do Pão, uma catequese profunda sobre
a teologia da Eucaristia. Jesus se faz Pão doado à humanidade por amor, um
sinal de sua morte na cruz e de sua ressurreição. Como vimos, o evangelista
começa com a narrativa da multiplicação dos cinco pães e dois peixes, na qual
Jesus sacia a fome da multidão.
Se na
semana passada a liturgia nos apresentava as consequências do novo nascimento
pelo Batismo, nesta terceira semana da Páscoa nos coloca diante dos olhos o
outro sacramento base para o cristão, a Eucaristia. Batismo e Eucaristia são os
dois principais sacramentos da Igreja, sacramentos pascais. Não nos esqueçamos,
o Tempo Pascal é o tempo da mistagogia, quando os neófitos são convidados a
mergulhar e viver o mistério que celebraram na última noite Pascal. Para nós já
iniciados, cabe renovar a cada dia nossos compromissos cristãos e alimentá-los
com esse Pão vivo descido dos céus.
O sinal do Pão... um olhar mais profundo
Para João, o
gesto de Jesus é um sinal. Essa é uma característica de seu evangelho. Ele não fala
em milagres, mas em sinais. O evangelista quer mostrar que é preciso olhar além
do milagre em si, é preciso compreender seu aspecto mais amplo, sua mensagem, o
que ele diz por trás do gesto de Jesus, que ensinamento nos traz hoje.
É
justamente esse o motivo pelo qual Jesus repreende a multidão: “vocês não me
procuram porque viram sinais, mas porque comeram os pães e ficaram saciados”.
Eis a chave para ler todo este capítulo: enxergar os sinais que Jesus realiza.
Jesus adverte que a multidão estava interessada coisas passageiras, em coisas
materiais, voltada a si mesma.
Jesus
identifica que aquela busca que faziam dele não era motivada pela fé, mas pela
conveniência, pelos próprios interesses, como uma resposta aos próprios
anseios. A pergunta que fica é: se Jesus não tivesse dado pães e matado a fome
do povo, aquela multidão o teria procurado ainda assim? Com Jesus, ou se está
ou não se está. Em Jesus, ou se crê ou não se crê.
Na semana
passada já vimos a atitude de Nicodemos, que fora incapaz de se desapegar de
sua vida velha e seguir Jesus com fé e radicalidade. Na verdade, estamos
interessados em descobrir qual o mínimo a ser feito para ter as bênçãos, as
curas, os milagres, os favores divinos. Procuramos a missa mais curta, o padre
que fale menos, o jeito mais fácil de cumprir o preceito. Porque nossa
mentalidade ainda está no que se tem que fazer, na norma, no que vou lucrar. Não
se entra no espírito da norma ou do preceito.
Também vale
refletir o que realmente buscamos quando procuramos o padre ou pregador que “opera
milagres” à vista de todos. Ou o encontro onde a cura tem hora marcada para
acontecer, ou que nos faça chorar, emocionar. As assembleias mais cheias serão
sempre aquelas onde se promete bens imediatos. Faz-se da fé uma superstição. É
tentar Deus, tentar aprisioná-lo.
Isso não quer
dizer que Jesus não se interesse pelos problemas e preocupações das pessoas.
Ele mesmo percebeu a fome da multidão e lhe deu de comer. Ele mesmo disse em
outra passagem: “vinde a mim vós todos que estais cansados e fatigados por
carregar pesados fardos e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e
eu vos darei descanso”.
Mas Ele não
dá um alimento passageiro. Ele nos alimenta com o Pão do Céu, o alimento que
dura para a vida eterna, isto é, a fé. Assim, Jesus nos convida a entrar na
lógica de Deus, a lógica do amor. Esta foi a dificuldade também dos discípulos
de Emaús.
Durante a
pandemia, corremos o risco de querer soluções rápidas, imediatas, queremos a
vida de volta ao “normal”. Facilmente nos entediamos e talvez até nos
revoltamos contra Deus, contra as pessoas. É a necessidade da negação, de
encontrarmos culpados. De novo Jesus nos lembra que é preciso entrar na lógica
de Deus, na lógica do amor.
O pão que não passa: crer no Filho do Homem
A pandemia
tem nos mostrado como o mundo é frágil, efêmero. Talvez nosso grande desespero
seja constatar que pusemos nossa confiança, nossos esforços, naquilo que passa,
no dinheiro, na carreira, nas pessoas, ou seja, naquilo que alimenta o corpo,
mas não a alma.
Outra
dificuldade é perceber que aquele jeito de ser antigo, o homem velho, o mundo
velho, não voltará tão rápido. É uma sensação de vazio. Jesus nos oferece
então, de novo, uma resposta, uma saída, mas uma que não passa: crer no Filho
do Homem. Crer em Jesus significa ser amado por Ele, descobrir-se amado, amá-lo
e segui-lo.
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