domingo, 19 de abril de 2020

CATEQUESE LITÚRGICA – 2º DOMINGO DA PÁSCOA – FESTA DA DIVINA MISERICÓRDIA

Caravaggio. A Incredulidade de São Tomé, 107 cm × 146 cm, c. 1601-1602.
Sanssouci Picture Gallery, Potsdam, Alemanha.

O 2º Domingo do Tempo Pascal é por instituição do papa São João Paulo II no ano 2000, a Festa da Divina Misericórdia. A devoção a Jesus Misericordioso começou na Polônia, a partir de uma visão da freira Faustina Kowalska. Entre várias revelações, em 1931 Jesus havia expressado a Faustina seu desejo de uma festa dedicada à sua divina misericórdia no primeiro domingo após a Páscoa.
O papa polonês não só atendeu o pedido de Jesus a sua conterrânea, como também elevou a freira polaca à glória dos altares, justamente no dia 30 de abril de 2000, quando, durante a missa de canonização, instituiu a nova festa. “É importante, então, que acolhamos inteiramente a mensagem que nos vem da palavra de Deus neste segundo Domingo de Páscoa, que de agora em diante na Igreja inteira tomará o nome de ‘Domingo da Divina Misericórdia’” (S. João Paulo II, Homilia na canonização de santa Faustina, 30/04/2000). O papa Wojtila foi beatificado e canonizado na festa por ele instituída, em 2011 e 2014, respectivamente.
De fato, misericórdia divina permeia toda a liturgia deste 2º Domingo da Páscoa. Na oração da coleta, o sacerdote diz: “Ó Deus de eterna misericórdia, que reacendeis a fé do vosso povo na renovação da festa pascal...” “Dai graças ao Senhor porque Ele é bom, eterna é a sua misericórdia”, responde o Salmo 117 à 1ª leitura. Na 2ª leitura, São Pedro bendiz a “Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo...” Já o evangelho de são João apresenta a comunidade como instrumento da misericórdia divina, a partir da instituição do sacramento da Reconciliação. “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”.
O tema central da liturgia deste domingo é, no entanto, a presença do Ressuscitado na comunidade reunida, que a partir da experiência de fé, passa a ser sinal de ressurreição, agindo no mundo como age o próprio Cristo. “Os que haviam se convertido eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (...) Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum” (At 2, 42.44)
O Evangelho deste domingo é o mesmo que voltará a ser proclamado no coroamento do tempo Pascal, na solenidade de Pentecostes, em que se celebra a vinda do Espírito Santo sobre a comunidade. Para João, o Espírito Santo é dado pelo Ressuscitado na própria tarde de Páscoa, quando acontece a “nova criação”. O gesto de Jesus Ressuscitado, de soprar sobre os discípulos para conceder o Espírito vivificador, é o mesmo do Pai em Gn 2,7, em que sopra nas narinas do homem de barro, dando vida ao ser humano. O dia da Páscoa é, portanto, o Oitavo Dia, o dia da Nova Criação, quando o Ressuscitado, pelo Divino Espírito, faz novas todas as coisas. “Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e tudo será criado, e renovareis a face da terra”.
Na nova criação Deus nos faz pessoas novas, pessoas capazes de melhorar sempre, leva-nos à mudança de mentalidade, ao nascer de novo.

No primeiro dia da semana...
A primeira aparição do Ressuscitado aos discípulos se dá na tarde de Páscoa, do mesmo dia da Ressurreição, o primeiro da semana, que agora é o Dia do Senhor. Jesus já havia aparecido de manhã a Maria Madalena, que dá aos apóstolos a Boa Notícia. O grupo, porém, continua trancado por medo dos judeus.
Mais que portas de madeira, os discípulos estavam fechados no próprio coração. A porta fechada é imagem do coração humano aprisionado pelos medos da vida, incapaz de confiar no testemunho daqueles que já experimentaram o alegre encontro com Cristo Ressuscitado.
Nesses tempos de pandemia, estamos trancados em nossas casas. O medo que nos aprisiona não é mais dos judeus, mas de um vírus e de todas as consequências que ele nos traz. Medo do vírus, medo da doença, medo da morte, medo do desemprego, medo diante do futuro que virá após a pandemia.
Jesus, porém, entra. E se põe no meio deles. Jesus conhece as chaves que abre os corações. O Ressuscitado, cujo corpo não conhece mais barreiras, entra por meios que não esperamos, em corações que jamais imaginamos.
Jesus entra e se põe no meio. Jesus ocupa o Centro. Ele é o ponto de referência, é a pedra angular. Quando o Senhor está no meio, a comunidade tem segurança, pois o Ressuscitado é o ponto de equilíbrio para a comunidade cristã. “Eu sou a videira e vós os ramos” (Jo 15,5). São Paulo lembra que “Ele é a cabeça do corpo, que é a Igreja” (Col 1,18).
Ao se por no meio, Jesus saúda os discípulos com o Shalom judaico, a saudação da paz. Paz que não é ausência de problemas, mas a tranquilidade, a serenidade, a confiança necessária para superar os desafios, para enfrentar os medos e dificuldades. A harmonia para reconstruir relacionamentos feridos, para ser capaz de perdoar. A reconciliação é, portanto, um fruto da paz.
A paz, então, um dos grandes dons do Ressuscitado, encontrará lugar em um coração que é capaz de se abrir à novidade trazida por Cristo. Em outras palavras, o discípulo de Cristo Ressuscitado é portador da paz. São Francisco de Assis, em sua oração pede, “Senhor, fazei de mim, um instrumento de Vossa paz”. Francisco foi e ainda é um grande mensageiro da paz.

Não sejas incrédulo, mas crê...
A segunda parte da leitura de hoje é uma catequese de João sobre a fé do cristão. Tomé não crê no testemunho da comunidade. Precisa ver com os próprios olhos, tocar com as próprias mãos nas chagas do Crucificado-Ressuscitado. Ele não estava na comunidade quando Jesus apareceu. Tomé não percebe a comunidade como local da manifestação do Ressuscitado.
A quarentena por causa do Coronavírus tem nos feito redescobrir a presença do Ressuscitado na simplicidade dos gestos das pessoas. No testemunho, portanto. Distantes da vida comunitária, da Eucaristia, estamos nos dando conta de como era bom estar juntos e de como nos faz falta. Esta saudade da vida comunitária ao redor do altar é uma ação do próprio Cristo que nos faz perceber como a vida em comunidade nos ajuda a crescer. Temos descoberto outros meios de viver em comunidade, ainda que distantes, como pela tecnologia.
Estamos redescobrindo a presença do Ressuscitado também em uma pequena comunidade, por vezes menosprezada como lugar da manifestação de Jesus, a família. Estamos redescobrindo o valor da Igreja doméstica. Estamos redescobrindo a ação do Ressuscitado e sua presença na Sagrada Escritura.
Tomé precisou ver e, quem sabe, tocar nas chagas... Jesus, porém, tem paciência e o convida a tocá-lo. Jesus é assim. Respeita nossos limites. Respeita nosso tempo e nosso itinerário para crer. Cada um tem seu tempo e seu modo para chegar à fé verdadeira. Jesus entende, pois é misericordioso.
A bela obra de Michelangelo Caravaggio, “A incredulidade de Tomé” (1601-1602) mostra a beleza de Jesus segurando o braço de apóstolo incrédulo e o levando, ele mesmo, a tocar na chaga de seu lado aberto pela lança do soldado, donde jorraram sangue e água no alto da cruz. Se é preciso tomar pelo braço e conduzir a suas chagas de amor, o Senhor o fará. E o fará com a delicadeza de quem ama. As chagas, mais do que provas materiais da Ressurreição, são sinais do amor que deu a vida na cruz. Por isso Tomé crê, pois recorda o quanto o Senhor o amou.
Tomé precisou ver e tocar. O Senhor, no entanto, repreende-o. “Felizes os que creem sem terem visto”. A Ressurreição de Jesus vai além da materialidade. O Ressuscitado é encontrado na comunidade reunida, que ouve o ensinamento dos apóstolos, põe os dons em comum, parte o pão na Eucaristia, reza junto, faz com que não haja necessitados e é misericordiosa com os irmãos. É a comunidade modelo, relatada na 1ª leitura deste domingo (At 2, 42-45).

Sejamos, portanto, apóstolos, testemunhas do Ressuscitado, pois “pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não se mancha, nem murcha” (1Pd 1, 3b-5). Amém.

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