Conferir:
At 4,32-37
Jo 3, 7-15
O trecho
proposto pela liturgia nesta terça-feira na Segunda Semana de Páscoa é a
continuação do diálogo entre Jesus e Nicodemos, cuja proclamação foi iniciada
nesta segunda-feira. Vale recordar que provavelmente este diálogo fora posto
por João em seu Evangelho como uma catequese para os que se preparavam para o
Batismo. Os termos usados por Jesus são batismais, como “nascer de novo”, “nascer
da água e do Espírito”, “o Espírito sopra onde quer”. É sempre útil recordar
que os evangelistas selecionam episódios e aspectos da vida de Jesus que julgam
úteis para o estabelecimento e desenvolvimento de suas comunidades.
Nicodemos
era um judeu importante, um fariseu, profundo conhecedor das leis e dos
costumes judaicos. Diferente de seus pares, que sempre confrontavam Jesus e
queriam encontrar motivos para condená-lo, Nicodemos o reconhecia como mestre e
até o admirava. Porém, tinha muita dificuldade de se desapegar de sua vida
velha, de suas convicções, especialmente da lei para seguir Jesus.
Nicodemos,
em outras palavras, mostrou-se incapaz de entrar no espírito da lei, a ponto de
entender ao pé da letra os ensinamentos de Jesus sobre “nascer de novo”. Tinha
também dificuldades de compreender ou de aceitar quando Jesus dizia que era
preciso nascer da água e do Espírito”. E o questiona como aquelas coisas
aconteceriam.
Percebemos
uma conversa truncada. Nicodemos é incapaz de mudar de nível, de deixar de ver
as coisas a partir de uma visão terrena e saltar para a dimensão do alto. É
incapaz de se deixar guiar pela novidade trazida pelo Espírito Santo.
"És mestre em Israel e ignoras essas coisas"?
Jesus, por
sua vez, devolve a pergunta e questiona como seria possível um mestre como
Nicodemos não saber aquelas coisas. Jesus, ao citar o sopro do Espírito ou a necessidade
de nascer da água e do Espírito, referia-se a passagens do Primeiro Testamento,
em que Deus enviara seu Espírito para dar vida em situações onde a morte era
iminente.
Um desses
trechos é o capítulo 36 do profeta Ezequiel. Deus manda o profeta profetizar ao
povo de Israel, que vivia na infidelidade ao Senhor. Adoravam outros deuses, feitos
de metais ou de madeira, cultuavam ídolos, matavam os companheiros, oprimiam o
órfão e a viúva. Deus, por mais que ameaçava castigar aquele povo de coração
endurecido, sempre voltava atrás porque é misericordioso.
E Deus
sempre busca oferecer meios para que o povo se arrependa e viva uma vida nova,
ou seja, meios para que o povo chegue à salvação. Uma das mais belas e
conhecidas passagens a esse respeito é Ez 36, 23-27. O Senhor derrama água pura
sobre os corações de pedra, ou seja, seu próprio espírito santificador, e
aqueles corações se converterão em corações de carne. O coração de carne é o
coração que tem vida, é um coração que ama, é um coração de verdade.
Neste tempo
de pandemia temos a oportunidade de recordar e entender de maneira muito
concreta as palavras do papa Francisco em sua encíclica “Laudato si – sobre o
cuidado da casa comum”. Podemos nos atentar para o mal que estávamos fazendo ao
planeta, desconsiderando que tudo está interligado, ainda que oceanos nos
separem. Sim, vivemos na mesma casa, a única grande casa do Criador, confiada
por Ele a nossos cuidados. É tempo, então, de deixarmos o Espírito de Deus
transformar nosso coração empedrado em um coração de carne, a fim de que não
olhemos apenas para nosso conforto e para nossos lucros, mas para toda a
criação, para todos os irmãos.
Após esse
parêntese voltamos ao capítulo 3 de João e às palavras de Jesus, que agora passam
a ser um discurso teológico sobre Ele mesmo e sua missão no mundo conferida
pelo Pai. Jesus afirma dar testemunho daquilo que viu. Se voltarmos ao capítulo
1, o evangelista afirma que no princípio o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.
E que ninguém jamais vira a Deus e que o Filho, que estava no seio do Pai, o
deu a conhecer (Jo 1,1-3.18). Jesus é a testemunha do Pai. A fé nasce,
portanto, do testemunho.
Do mesmo
modo, a fé no Ressuscitado chega até nossos dias pelo testemunho dos apóstolos
e das comunidades, isto é, da Igreja. Como podemos ver em Atos dos Apóstolos,
que a liturgia nos apresenta durante todo o Tempo Pascal. “A multidão dos que
haviam crido era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava
exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Com grande
poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor, e todos tinham
grande aceitação” (At 4, 32-35).
À ressurreição
chega-se pela cruz
“Como Moisés levantou a serpente no deserto, é necessário que
seja levantado o Filho do Homem”, diz Jesus a Nicodemos, fazendo menção ao
episódio do livro dos Números, quando Deus ordena a Moisés que faça uma
serpente de bronze a fim de que os mordidos por serpentes fossem curados ao
olharem para tal símbolo.
Jesus
compara a serpente levantada por Moisés como a sua própria elevação no alto da
cruz, um passo para subir de volta ao Pai. A cruz é um caminho fundamental para
se chegar ao Pai. Não há ressurreição sem cruz. No capítulo 12 de são João,
Jesus garante que quando for elevado, atrairá todos a Ele. Atraindo-nos a Ele,
atrai-nos ao Pai. “Ninguém vai ao Pai senão por mim”.
Atrair-se
por Jesus é atrair-se pelo amor e para o amor. Pela 1ª Carta de São João
sabemos que Deus é amor. “Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é
amor” (1Jo 4,8). Na primeira leitura, como já vimos, encontramos o relato do
amor testemunhado pelas primeiras comunidades cristãs. “Não havia necessitados
entre eles”.
A
comunidade brasileira Católicos em Dublin é um belo testemunho do Ressuscitado.
Quantas campanhas são feitas para socorrer brasileiros em tratamento de câncer,
mães solteiras, abortos evitados, comunidades na África. Gestos de
solidariedade daqueles que fizeram a experiência do amor redentor de Cristo. Se
a comunidade não dá esse tipo de testemunho, ela precisa nascer de novo.
"Todo aquele que crer, tenha nele a vida eterna"
O trecho de
hoje termina com uma esperançosa promessa de Jesus: “que todo aquele que nele
crer tenha a vida eterna”. A vida eterna é a grande meta do cristão. É nosso
horizonte, nossa luz no fim do túnel. Quando desanimamos na missão, podemos ter
este consolo do próprio Senhor. As belas palavras na conclusão do rito de Unção
dos Enfermos em leito de morte encorajam o morimbundo: “Deixa este mundo, alma
cristã(...) que possas ver teu Redentor face-a-face e possas contemplar Deus
pelos séculos dos séculos”.
O
julgamento particular de cada indivíduo no momento da morte nos coloca diante
de Jesus, o justo juiz, para colocar nossa vida em relação à vida de Cristo. O
grande místico São João da Cruz nos explica o conteúdo do julgamento. “No
entardecer de nossa vida, seremos julgados pelo amor”.
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